Manifesto de Uma Testemunha Lúcida

 



 



Manifesto de uma Testemunha Lúcida

Que fique registrado, antes que as sirenes soem, antes que o céu fique vermelho e os campos silenciem: nós sabíamos.

Sabíamos do desequilíbrio, da fome, da sede, da criança com os olhos fundos de medo, da floresta gemendo em chamas, do animal que desaparece sem alarde, da água que some, da terra que racha. Sabíamos das bombas estocadas, dos líderes com dedos trêmulos sobre os botões, dos tratados rasgados, das mentiras televisionadas.

Sabíamos... e seguimos. Seguimos plantando ódio. Seguimos construindo muros. Seguimos elegendo covardes barulhentos com sorriso de plástico e alma vazia. Seguimos chamando de progresso o que era só ganância com nome bonito.

Jogamos as regras da natureza no lixo. Trocamos o cheiro da terra pelo cheiro do concreto. Fizemos da guerra um espetáculo e da paz uma utopia ridicularizada.

E agora?

Agora é tarde para pedir desculpas aos pássaros que não voltam. Aos rios que não correm. Às crianças que nunca chegarão à idade adulta. Aos povos que não terão sequer um registro no rodapé dos livros de história (se é que livros restarão).

Se o fim vier, que venha rápido. Sem cerimônia. Sem discursos. Sem hinos. Sem bandeiras tremulando ao vento.

E que fique escrito, no que sobrar de pedra ou carbono:

Foi escolha nossa.
Não foi Deus. Não foi destino. Não foi acidente.

Foi ego. Foi orgulho. Foi descaso. Foi lucro. Foi ódio. Foi vaidade.

Que o planeta nos esqueça depressa. Que as próximas formas de vida não herdem nossa arrogância.

E que, talvez um dia, alguma outra espécie mereça este lugar que nós, por pura estupidez, não soubemos honrar.

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas

Total de visualizações de página